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Declaração Conjunta do DdMT [Dia da Memória Trans]: Honramos as vidas des nosses parentes e exigimos segurança no meio do crescente ódio e movimentos anti-direitos

Esta declaração conjunta foi desenvolvida pela TGEU em colaboração com a GATE, ILGA World, APTN, IGLYO, e ESWA no Dia da Memória Trans.


Todos os anos, a 20 de Novembro, pessoas trans e de género diverso (coletivamente “trans”) se reúnem em comunidade para fazer luto e relembrar a vida des nosses parentes perdides no Dia da Memória Trans (DdMT).

Este é o 17º ano consecutivo documentando os assassinatos des nosses parentes trans através do projecto de Monitorização de Homicídio Trans (MHT) e o 25º ano que comunidades trans comemoram o DdMT. Apesar da crescente consciencialização em torno dos problemas enfrentados por pessoas trans e a extensão da marginalização experienciada por comunidades trans a nível global, a violência contra pessoas e comunidades trans não foi suprimida. Isto é exemplificado pelo fato de que este ano, registámos um dos maiores número de assassinatos (348) desde que os registos do projeto iniciaram em 2008, totalizando em mais de 5,000 assassinatos documentados nos últimos quinze anos.

Isto é sem dúvida uma consequência de esforços céleres de movimentos anti-género e anti-direitos que instrumentalizam e vilificam pessoas trans de forma a impulsionar pautas políticas anti-democráticas mais abrangentes. Temos visto uma subida consistente nos níveis de discurso de ódio e crimes de ódio  online e offline, especialmente por actores políticos, líderes de fé ou de religião e figuras públicas. Este aumento é permitido pela falta de uma forte legislação de crime de ódio que proteja a identidade e a expressão de género, e a desinformação manipulativa fruto da falta de responsabilização de companhias de redes sociais em assegurar integridade informativa. A discriminação sistémica e estrutural enfrentada por pessoas trans em todo o mundo que provém da falta de cuidados de saúde, empregabilidade e outras oportunidades económicas, e situações de habitação precárias contribuem para o número consistentemente alto de assassinatos observados anualmente.

Isto é sem contar as mortes adicionais de pessoas trans que ocorrem devido à falta de acesso a cuidados de saúde, suicídio, overdose de drogas, assassinatos não registados/em falha de atribuição de género, exposição desproporcional ao VIH e DST’s, ou violência que indirectamente provoca morte. Os dados recolhidos na actualização do projecto de Monitorização de HomicídioTrans (MHT) [TMM- Trans Murder Monitoring project] de 2024 reflectem somente números registados ao longo dos 12 meses desde 1 de Outubro de 2023 a 30 de Setembro de 2024.

Este é um dia de luto tremendo. Temos comemorado o Dia da Memória Trans desde 1999 quando nos unimos em luto para lembrar Rita Hester, uma mulher negra trans que tinha sido assassinada. Apesar dos nossos melhores esforços, 25 anos mais tarde, a violência não só continua mas é ativamente encorajada por esforços globais anti-direitos que negam a própria existência de pessoas trans, atiçam o ódio, e opõem-se ao reconhecimento dos direitos humanos básicos de pessoas trans.

Dados Recentes

Este ano,  dados  apontam 350 assassinatos registados de pessoas trans que ocorreram globalmente entre 1 de Outubro de 2023 e 30 de Setembro de 2024. Fazemos luto e nos lembramos dos nomes des nosses parentes perdides.

Estes dados não existem num vácuo, nem é possível separá-los das intersecções de violência enfrentadas por pessoas trabalhadoras do sexo, de contexto migratório ou de refugiadas, Pessoas Negras e Racializadas, pessoas S/surdas e pessoas com deficiência, pessoas neurodivergentes, pessoas dependentes de drogas, pessoas que são VIH positivas e pessoas que vivem em más condições socio-económicas, incluíndo aquelas sem habitação segura.

Os dados da Monitorização de Assassinato Trans mostram que:

  • 350 pessoas trans foram registadas como assassinadas, fazendo deste o 4º maior número de assassinatos registados desde o início do Projecto de Monitorização de Homicídio Trans.
  • Este ano, o número total de assassinatos registados ultrapassou os 5,000 casos desde que a TGEU iniciou a monitorização em 2008.
  • 94% dos assassinatos registados foram femicídios, ou seja, as vítimas foram mulheres trans ou pessoas trans femininas.
  • 93% dos assassinatos registados foram de Pessoas Negras ou Racializadas trans.
  • Trabalhadoris do sexo trans permanecem sendo o grupo mais atingido do qual se conhece a profissão – 46% das pessoas assassinadas globalmente eram trabalhadoras do sexo trans.
  • Um terço das vítimas de assassinato registadas tinham idade entre os 31 e 40 anos, e um quarto delas idade entre os 19 e 25 anos.
  • 15 jovens trans menores de 18 foram assassinades (quase 6% do total).
  • A América Latina e as Caraíbas continuam a registar o maior número de assassinatos, com  73% dos homicídios registados ocorridos nestas regiões; quase um terço (30%) do total occorreram no Brasil.
  • Assassinatos em Burkina Faso, Costa de Marfim, Namíbia, Nigéria, e Síria foram registados pela primeira vez.
  • Quase metade dos homicídios registados (46%) foram a tiro. Assassinatos registados ocorrem mais habitalmente na rua (34%) seguido de na própria residência da vítima (22%).

Protejam vidas trans agora!

A violência com que as pessoas trans lidam não é só um problema isolado que pode ser tratado por si só. Está profundamente interligado com a exclusão sistémica de pessoas trans de vários aspectos da vida social, económica e cultural que nos torna vulneráveis a violência e discriminação. Fazemos um apelo à acção urgente que proteja e assegure os direitos humanos de pessoas trans. Legislação anti-ódio precisa ser acompanhada por acções de justiça económica reparadoras. Leis que activamente criminalizam a nossa comunidade, criando barreiras de acesso a emprego e habitação inultrapassáveis, forçando-nos a sobreviver quase exclusivamente através de trabalho sexual – que é criminalizado a diferentes níveis em maior parte dos países – precisam ser desfeitas. Governos têm uma dívida histórica a cobrir por leis discriminatórias que perseguem e aprisionam a nossa comunidade, levando à nossa marginalização.

A decisores políticos e legisladoris

Existem dados crescentes, incluíndo o projecto anualmente actualizado de Monitorização de Homicídio Trans (TMM), nas ameaças de segurança e violência que pessoas trans experienciam, particularmente pessoas trans de grupos mais marginalizados. Estes dados oferecem uma visão sobre os tipos de leis e legislações que são necessárias de forma a proteger explicitamente pessoas trans.

  • Assegurar procedimentos rápidos, transparentes e acessíveis para reconhecimento legal de género baseado em autodeterminação, incluíndo para pessoas trans jovens, e migrantes e procuradoris de asilo trans
  • Remover barreiras ao acesso a cuidados de saúde de especificidade trans, incluíndo através da despsicopatologização, eliminação de barreiras de custo, e fornecimento de treino de desenvolvimento de sensibilidade e competência a profissionais de saúde.
  • Adoptar e implementar leis reforçáveis  contra discurso de ódio e crimes de ódio tanto em espaços offline como online que reconheçam ambas identidade de género e expressão de género, igualmente como motivo de preconceito.
  • Descriminalizar o trabalho sexual, o uso de drogas, a ‘sodomia’ e o estatuto de VIH
  • Pronunciar-se e gerar apoio contra leis que (intentam) criminalizar identidades trans, banir reconhecimento legal de género e de cuidados de saúde trans-específicos.
  • Treinar agências de execução legal e serviços de apoio social em questões de identidade de género e sexualidade para que sejam melhores a dar assistência a pessoas trans que enfrentam ataques violentos e de forma a aumentar a confiança de pessoas trans em denunciar crimes violentos
  • Proteger procuradoris de asilo ao reconhecer os seus pedidos de asilo, fornecendo-lhes acesso a cuidados de saúde específicos a pessoas trans, e oferecendo espaços seguros onde possam viver enquanto em espera do processo
  • Exprimir-se publicamente em suporte a pessoas trans e aos nossos direitos, e tornar muito evidente que discursos e crimes de ódio contra pessoas trans não será tolerado
  • Investir em educação pública sobre sexualidade e identidades de género em escolas e outras instituições educacionais

A doadores

Este ano, muites des nosses parceires relataram um problema crescente na sub-denúncia de assassinatos. Enquanto confrontamos os crescentes desafios impostos a formas de organização trans por movimentos anti-género e anti-direitos, ainda há uma quantidade considerável de trabalho a ser feito para melhorar as vidas de pessoas trans. Torna-se ainda mais essencial que pessoas trans possam levar vidas seguras, dignas e felizes, que aquelis que experienciam violência se sintam confiantes em denunciar este incidentes de violência e assédio, e activistas possam continuar a se posicionar pela defesa dos direitos de pessoas trans.

Apelamos a doadores para que se comprometam a assegurar a sustentabilidade a longo termo do movimento trans. Em momentos nos quais prioridades de financiamento entre doadores e o governo estão a evoluir, e oportunidades a diminuir, o seu apoio é crítico.

  • Priorize financiamento directamente a organizações trans, de género diverso, dirigidas por trabalhadoris do sexo e por jovens
  • Ofereça financiamento a longo termo, flexível e sem restrições
  • Providencie financiamento que permita as nossas comunidades se prepararem para crises e poderem responder a emergências
  • Avalie potenciais oposições anti-direitos, ataques ou ameaças em potenciais ou atuais bolseiros
  • Publicamente repele leis opressivas e criminalizadoras.

Em honra daquelis que perdemos muito cedo, mostre o seu apoio pelas nossas comunidades implementando os apelos à ação e apoiando publicamente as vidas e os direitos de pessoas trans. Precisamos todes de nos unir para nos apoiarmos mutuamente e exigir um mundo que valoriza e protege vidas trans em todas as nossas diversidades.